quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

"Parasita"


Deu-lhe a maleta cheia de notas de 100 e disse-lhe:
- Pega e não aparece mais aqui! Se tenho podres, você já estragou a cesta toda.
Moreira pegou a maleta, com um sorriso de satisfação estampado na cara e respondeu-lhe:
- Acho que por hoje isso basta, mas, se não quiser ver suas fuças estampadas nas primeiras
páginas dentro em breve, é bom "descer do salto". Se tenho podres, ao menos não sou homem público e não dependo de minha imagem, que cá entre nós, nunca foi das mais limpas.

Chantagem era só mais um dos "truques" de Moreira, que jamais sentia pesada a consciência, afinal, tinha de sobreviver de alguma forma.
Escolado com seu pai - um gigolô de primeira - aprendeu a dar seus "pulos", que iam de roubar velhinhas a descobrir podres de gente importante e dar uma "mordida" aqui e ali (como era "podre" da cabeça aos pés, tinha um faro inigualável para o pútrido), passando por cafetinagem, pirataria e o diabo a quatro.
Como todo bom pupilo, superou o pai antes dos 18.
Com 19, passou a ser sustentado por uma velhota de 60 e poucos, rica e de saúde frágil feito taça de cristal. Na primeira oportunidade, fez a idosa senhora alterar seu testamento, deixando tudo para ele e nada para seus filhos, que acabaram na miséria depois de a velha morrer de forma suspeita. Moreira foi acusado pela morte, mas as investigações não foram longe, visto que agora dinheiro não faltava e que silenciar policiais não é tão caro. Eles também têm de sobreviver.
Como todo bom "malandro", Moreira não conseguia segurar o dinheiro por muito tempo - insistia em lhe fugir - e conseguiu acabar com o que herdou da senhora, em menos de dois anos.
Aos 21, e com o mapa da zona na palma das mãos, o rapaz decidiu se aventurar no ramo da cafetinagem. Conhecia a "mão-de-obra" de "cabo a rabo" (interprete como quiser), era amável e ganhava facilmente a confiança das "moças de família", mas sabia bater quando necessário.

"Sou"



...
- O que você é?
Perguntou-lhe em tom de desdém.
- Pergunta besta! Sou o que sou, ué!
Respondeu ele rispidamente, orgulhoso demais para admitir que lhe fora ensinado apenas "ser". Não sabia ao certo o que e nem porque era; sabia apenas que era.
Juvenal fora ensinado desde cedo a não querer demais, posto que o mundo não tinha muito a lhe oferecer. Fora ensinado que pobres são pobres, mesmo que banhados em ouro. Sempre tivera dúvidas acerca do motivo de "ser", mas nunca ousara fazer questionamentos; tinha medo das respostas. Mas que atire a primeira pedra, aquele que não teme respostas. As respostas assustam pois não são elas "sabidas". Podem ser tanto boas quanto terríveis. Podem nos fazer flutuar ou amargar eternamente. Juvenal preferia não arriscar.
Quando pequeno, certa vez, perguntara a seu avô (mal chegara a conhecer seu pai, que morrera vítima de traição quando, enquanto ébrio, flagara sua mulher no colo de outro homem que, assustado, atravessara-lhe a peixeira pela barriga... sua mãe o abandonara e fugira com o tal homem) se algum dia seria alguém, mas obtivera como resposta um cascudo e um "Deixe de ser besta, menino! Você é você!". A partir de então, passara a usar a mesma resposta, e não mais fizera perguntas, por medo dos cascudos.