quarta-feira, 30 de abril de 2025

The King - Origins


The King - Origins

Ele devia ter uns onze anos.
Gravata torta, terno herdado de algum tio falecido e uma Bíblia rasgada embaixo do braço — dessas de plástico, que já viu mais suor que fé.

Se instalou num ponto de ônibus às 10h da manhã,
ligou uma caixinha de som com playback de culto americano e começou:

"ALELUYA GLOURY TO THE KINGS… THE FERY IS COMING! OBEY THE POWER DEMENDER!!"

Alguns passantes jogaram moedas.
Outros riram.
Eu fiquei.

Porque o menino falava com a segurança de quem nunca leu o texto,
mas decorou o tom.

Chamava as pessoas de "irmãos" com aquele R mastigado de dente mole.
Tremia as mãos com convicção de show gospel.
E gritava como quem compete com o trânsito —
ou com a própria dúvida.

"HOJE É O DIA DA VITÓRIA… OF THE LORDE… NÃO O DE HOJE, MAS O DE SEMPRE!"

Dava pra ver que ele inventava metade na hora.
As frases vinham em línguas estranhas,
misturando inglês de meme, português de rodoviária e sotaque de falso profeta mirim.

"RECEBE! THE BLESSING! VAI CAIR O FIRE OF THE HEAVENLY NIGHT!"

Alguns paravam pra filmar.
Outros desviavam como quem foge de criança vendendo bala com versículo.

Mas eu fiquei.
Porque entre uma mentira e outra, o menino vacilava.
O olho caía.
A voz falhava.
E por um segundo,
surgia uma verdade ali.
Miúda, suada e meio sem saber o que fazer com ela.

"É ISSO, IRMÃO… THE LIFE IS NOT GOOD, BUT THE FAITH IS PRETENDING!"

Eu ouvi aquilo e soube:
ele não era um profeta.
Era só mais um tentando enganar o mundo
antes que o mundo enganasse ele de volta.

E sinceramente?
Respeitei.


 

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